] domingo, fevereiro 12, 2012
 
um dia uma mamografia detectou calcificações nos meus seios. não é todo dia que tu descobre que tem pedras no próprio peito. embora elas não fossem malignas, pelo que os exames apontaram, não é todo dia que tu leva na boa receber uma notícia dessas. eu nunca levei na boa. mas isso a gente esquece. vai no médico, vê se tá tudo bem ainda, e esquece. até a próxima visita ao médico.

ironicamente, foi mais ou menos na época que recebi essa linda notícia que minha vida começou a desandar. é injusto dizer isso, eu sei. mas desde essa época eu não consigo virar um ano sem dizer que o ano que passou foi uma merda, ainda. tem sempre uma coisa que estraga tudo.

e não é assim a vida?

é. a vida é feita de dias felizes e uns 10 de merda, mais dois ou três felizes e uns outros de desastres, fracassos, tragédias, problemas, suplícios. o triste é quando tu consegue dar conta da época exata em que tu começou a desandar. tu. uma entrada numa era em que tu tá desandando. e é aí que a história da pedra entra. eu tenho uma pedra no peito. e eu não consigo tirar. e a cada ano ela fica maior. e mais dura. e menos força eu tenho pra tirar.

não é todo dia que tu quer te dar conta disso.

mas uma vez que tu te dá conta disso, o que fazer? o que se faz pra arrancar uma pedra de dentro de ti? ela não sai por orifício algum. o que significa que vai ter anestesia geral, sangue, dor, roxões, invasão, e um certo gasto com tudo isso. com sorte, um bombardeio com laser vai fazer a pedra virar milhões de pedrinhas, e um catéter vai dar jeito de fazer com que essas areias escoem. mas antes isso do que tu passar anos com esse peso sem saber o que fazer. antes isso do que nunca te dar conta. antes isso que a pedra tome o tamanho do órgão.

não que eu seja uma pessoa amarga o tempo todo. não faz meu tipo. mas uma pedra no peito obstrui, pesa, machuca. e tu esquece quase sempre que não pode fazer tudo. tu tenta, e aí acontece alguma coisa e tu percebe que não era pra ter tentado antes de tirar a porcaria da pedra de lá. como se parece uma pessoa que tem uma pedra no peito? não sei os outros, mas eu pareço normal. eu dou minhas aulas, amo as pessoas que eu amava, cultivo um amor incondicional pelos meus bichinhos, me preocupo com meus alunos, ajudo todo mundo, dou risada, me apaixono, saio e curto música boa, me arrumo, pinto o cabelo, vou ao cinema, faço amigos, odeio pessoas, choro por bobagem e por coisa séria, fico estressada no final do semestre, me empolgo em discussões acadêmicas, converso pelo msn, escrevo bobagem no facebook, conto piadas (muito mal, como sempre), como chocolate feito louca na TPM. eu sou uma pessoa normal. mas eu consigo amar?

não. e com o tempo, passei a desacreditar que um dia possa voltar a amar. e aos poucos eu vou cometendo a injustiça de buscar alguém que me salve. alguém que corrija aquele homem. que seja o que ele não foi. homens pra isso não faltam, porque muita gente é o que ele não foi. o que eu não tinha me dado conta é de que ninguém jamais vai corrigir aquele homem dentro de mim. ninguém vai me salvar. porque não há como salvar o que já ocorreu. e quem tem que ser corrigida sou eu. (é fácil falar)

passar por cima não é possível. já tentei. substituir? não dá. ponto final. ponto final é o que uma pessoa precisa dar pra corrigir isso. e tirar a pedra de dentro de si. como é que se dá um ponto final nas coisas? não é com uma assinatura no papel, dar as costas, deletar. ponto final a gente dá quando finalmente consegue entender tudo o que se passou. parece simples. mas não é. falar é fácil. e de repente é isso mesmo que precise ser feito. falar em voz alta. como eu digo pros meus alunos lerem suas respostas absurdas na prova pra que entendam onde e como escreveram bobagem.

[ Penkala ] 17:47 ] 0 comentários

 
eu uso óculos




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